OFICINA DAS PEÇAS
Na sequência do primeiro exercício e com o conhecimento e relações que criámos com o bairro nesse periodo, estamos neste momento a iniciar uma nova proposta de trabalho que envolve a construção de uma bancada de oficina dedicada à reconfiguração de peças de objectos estragados em novos objectos.
Entendemos aqui estes objectos/materiais como veículos de reflexão sobre as relações entre a sociedade maioritária e a comunidade cigana do bairro. Algo que se torna claro tanto nos brinquedos e roupas doadas à associação e distribuidas no bairro, assim como nas vendas dos mercados onde grande parte da comunidade trabalha.
Pretende-se também reflectir sobre o valor do material e materiais em fim de ciclo e as suas potencialidades de reutilização e resignificação.
O reduzido número de sessões que temos disponíveis servirão para criar as ferramentas e as condições para promover a autonomia dos participantes. O objectivo do projecto será deixar para o futuro estas novas possibilidades no bairro e no projecto do Giró Bairro.
Costuma haver uma fogueira acesa neste canto que pertence às primeiras casas do bairro. Daqui vêm toda a gente que chega.




































Esta senhora queria fazer uma placa que dizia: “Quem é sem vergonha não entra aqui” e pôr uma imagem de um sapo. Mas entretanto já desistiu.
Local onde se faziam as maiores festas do bairro que duravam vários dias. Montava-se uma grande lona. Agora anda por aqui um grupo de cães.
Estavam sentados aqui os moradores de duas casas. Dizem que vai ser tudo destruído mas querem ouvir.
O Elídio conta que quando era mais novo construíram nesta traseira da casa uma cabana com tijolos e massa. As criançãs iam lá reunir-se e brincar.
Estava uma grande grelha a assar peixe para o almoço.
Casa pré-fabricada, morada temporária antes de se mudarem para uma definitiva no bairro. O carro está estacionado à frente. Diz que o vai chipar no dia seguinte.
O bairro está enterrado em relação à via rápida. Há uma presença contínua do ruído dos carros em todo bairro.
A ribeira corre quando chove. Acumulam-se aqui restos de materiais e lixo de quem ninguém diz ser dono.
A Ana Rita e a Ângela normalmente estacionam aqui os carros alinhados para não invadir o espaço de passeio das casas ao lado.
A Luciana chama-nos senhores. Diz que todos os que não são ciganos são senhores, sejam adultos ou crianças.
A casa de trás tem uma janela virada para o pátio da casa do Giró Bairro. Vão aparecendo pessoas diferentes à janela para ver o que andamos a fazer.
Seta desenhada na parede a indicar a direcção das bombas de gasolina da Repsol através do beco e do bosque.
Casa onde o avô Torcato viveu. Casa cheia. Os homens retiram-se e dizem que isso é com as mulheres.
Esta zona é um depósito de lixo aberto. O Artur diz que teve que pavimentar o pátio para que não o usassem como lixeira.
Mantas a secar, num pátio feito de cimento derramado no chão delimitado por tijolos e pelas capoeiras de galinhas e dos dois cocós. O cão Pitbull está lá mais à frente num barraco feito pelo Artur.














O exercício que montámos nasce deste princípio de revisão de conceitos, aliando-o a uma tentativa reforço da rua como palco de partilha, neste caso, das histórias individuais e da sua teia de laços e relações. A ideia consiste em co-criar com os moradores placas personalizadas para as entradas das suas casas. Isto envolveu deslocarmo-nos casa a casa propondo a cada família que nos mostrasse um objecto que estivesse relacionado com a família e uma frase que gostaria de colocar à frente da sua casa para quem passa na rua. O exercício foi completamente aberto quanto ao conteúdo que cada um poderia escolher, o que levou a conversas diversas e com resultados completamente dispares. Essa riqueza da diversidade acabou por transparecer no resultado final e na experiência de caminhar hoje pelo bairro.As madeiras foram recuperadas de depósitos e a maioria dos trabalhos de carpintaria e pintura foram realizados no bairro criando um atelier aberto em que, entre participantes ativos e participantes relutantes, todos tomaram consciência do processo criativo e das suas diferentes fases exercendo controlo de decisão sobre ele. Ao longo de um mês esta presença no bairro foi essencial para a construção de uma relação entre nós e os moradores e para a apropriação e criação de sentido das placas finais.
Tipo de projecto: Arte e comunidade
Local: Bairro da Cova das Faias, Leiria
Data: Janeiro/Fevereiro 2023
Duração: 4 semanas
Projecto geral: Giró Bairro
Promotor: InPulsar, Câmara Municipal de Leiria
Desenho/Construção: Colectivo Til, moradores do bairro COva das Faias
Mediação: Ângela Damásio, Ana Rita Inácio
Fotografia: Colectivo Til, Ângela Damásio